Dirigido por uma diretora feminista, a sueca Ninja Thyberg, podemos afirmar que "Plesure" fica no limiar entre o filme denúncia e o fetichismo, cujas fronteiras estão cada vez mais tênues, ainda mais na pós-modernidade.
Sem se aprofundar nas motivações exatas da protagonista ("vim porque gosto de sexo"; "quero chupar pau"; "fui estuprada pelo meu pai", seguido de umas risadas que descredibilizam a fala), o filme funciona por acompanhar de perto uma aspirante à atriz pornô, mas também por mostrar os bsatidores das produções. E engana-se que a diretora demoniza o sexo em si. O projeto, inclusive, conta com grande parte do elenco proveninete do mundo pornô, o que confere um olhar menos moralista ao produto final, como por exemplo, algumas cenas em que os produtores de fato estavam sendo simpáticos e se importando com os atores e atrizes em cena. Mas óbcio que nem todos. A cena em que a moça, incialmente consentindo em fazer um sexo mais pesado, é obrigada a continuar, mostra o poder da coerção nesse mundo, e de como é difícil ver os limites daquilo que estamos dispostos a fazer.
Impressiona como a câmera de Thyberg torna tudo tão orgânico: do close no rosto da protagonista às cenas em que ela faz sexo oral, os cortes não são abruptos, não há uma mudança na tonalidade ou na trilha sonora, ponto para a produção que torna as cenas de sexo coesas com a vida da protagonista vivida por Sofia Kappel. Aliás, numa performance difícil, pois não sabemos ao certo até que ponto ela está gostando de viver aquele mundo, só sabemos que a jovem atravessou o oceano, da Suécia para os Estados Unidos, com uma questionável certeza, jogando-nos das incertezas e no universo pornô abruptamente, ainda que tudo isso faça parte dos conflitos internos da personagem.
A câmera também passeia incansavelmente pela relação dela com as amigas e os agentes, até chegar de forma totalmente verossímel nos filmes dentro do filme, o ato em si, e faz esse passeio de forma lúcida, embalada por uma trilha sacra que confere uma relação dualista à obra. Aliás, tudo aqui é meio antagônico, do olhar da protagonista (confusa, assustada, tentando sentir prazer ou verdadeiramente sentindo?) ao título, um prazer que é posto toda hora à prova. Não há uma trilha pop que confira diversão às cenas, tudo é feito para você questionar o que vê, e isso é mais um mérito para a película.
E a grande pergunta que o filme levanta é: vale à pena? E esta pergunta cabe tanto aos produotes, atores e atrizes quanto ao público que consome. No caso de quem se arrisca a viver disso, qual o limiar entre prazer e a obrigação? Até que ponto é desumano e até que ponto nada mais é do que uma necessidade humana? Afinal, o filme não condena o sexo em si, mas deixa pro espectador pensar até que ponto a busca pelo prazer (pleasure=prazer) é saudável ou nos torna livres, e isso vale para todos que, de alguma forma, alimentam essa indústria. É possível falar em liberdade aqui? Pois desconfio que essa crítica à suposta liberdade acabe por feitichizar ainda mais esse conceito de sexo enquanto mera reprodução das estruturas hierárquicas de submissão.
Por exemplo, o revanchismo entre as amigas deixa escapar o quanto se prende o roteiro a uma visão que negligencia o ponto de vista puramente feminino. Fora a última cena, meu deus, uma cena lésbica, há algo mais clichê para os machos sedentos por objetificação dos corpos femininos? E o fato da protagonista assumir de vez o papel do ativo dominador, fincar-se nos espaços VIPs (reservados às atrizes de maior sucesso), custou-lhe não apenas a amizade, mas até mesmo o desconforto consigo mesma.
A falta de um aprofundamento biográfico causou certa frieza quando ela se desculpa pelo sexo sujo feito com a sua companheira de cena. Ali havia um lampejo da sua humanidade e do caminho de degradação a que estava incorrendo, mas como o roteiro nos conduz sem julgar, o espectador de fato não sabe até que ponto a protagonista se vê, se num pedestal ou se no fundo do poço. Até que ela manda parar o carro para sair dali, fugindo do ambinete de claustrofobia e de tudo aquilo que lhe causava dor. Ainda é sobre prazer e liberdade?
Como disse no começo, confundir a linha que separa a denúncia do feitiche é um perigo, ainda mais quando alguns elementos do roteiro e até mesmo a atuação ambígua de Kappel podem ser questionados. Mas ao menos o filme cumpre sua função: de fazer pensar. E se você, como eu, também se excitou em algumas cenas, cabe-nos refletir sobre como anda a fronteira dos nossos desejos. Talvez Freud ajude nessa empreitada. E se um filme nos faz revisitar a psicanálise, já valeu o ingresso.